Regime de Competência versus Regime de Caixa no Setor Público
Regime de Competência e Regime de Caixa no Setor Público
A Contabilidade Aplicada ao Setor Público, assim como em outros ramos da ciência contábil, obedece aos princípios da contabilidade. Dessa forma, aplica- se o princípio da competência em sua integralidade, ou seja, os efeitos das transações e outros eventos são reconhecidos quando ocorrem, e não quando os recursos financeiros são recebidos ou pagos.
No setor público, o regime orçamentário reconhece a despesa orçamentária no exercício financeiro da emissão do empenho e a receita orçamentária pela arrecadação.
“Art. 35 (Lei 4.320/64).Pertencem ao exercício financeiro:
I –as receitas nele arrecadadas;
II – as despesas nele legalmente empenhadas.”
Levando em conta que a Contabilidade Aplicada ao Setor Público deve seguir os princípios da contabilidade, porque então há essa diferenciação quanto ao regime adotado para despesa e receita. Primeiramente deve-se ficar atento a lei, o art. 35 da Lei nº 4.320/1964 refere-se ao regime orçamentário e não ao regime contábil (patrimonial) aplicável ao setor público para reconhecimento de ativos e passivos. Assim também foi o entendimento da STN na Nota Técnica nº. 376/2009 ao definir financeiramente o tratamento das receitas e das despesas do ponto de vista orçamentário, e não do regime contábil:
“Para fins de acompanhamento da execução orçamentária, a área pública adota o regime misto para os registros da receita e despesa orçamentária. A receita segue o regime de caixa, sendo reconhecida no momento da sua arrecadação, e a despesa, o regime da anualidade orçamentária, sendo reconhecida pelo empenho, conforme descrito no art. 35, I e II, da Lei nº. 4.320/64”.
Entretanto, nos artigos 85, 89,100 e 104 da Lei 4.320/, ao abordar o tema “Da Contabilidade”, determina que as variações patrimoniais devem ser evidenciadas, sejam elas independentes ou resultantes da execução orçamentária.
“Título IX –Da Contabilidade
[…]Art. 85. Os serviços de contabilidade serão organizados de forma a permitirem o acompanhamento da execução orçamentária, o conhecimento da composição patrimonial, a determinação dos custos dos serviços industriais, o levantamento dos balanços gerais, análise e a interpretação dos resultados econômicos e financeiros.
[…]Art. 89. A contabilidade evidenciará os fatos ligados à administração orçamentária, financeira, patrimonial e industrial.
[…]Art. 100. As alterações da situação líquida patrimonial, que abrangem os resultados da execução orçamentária, bem como as variações independentes dessa execução e as superveniências e insubsistências ativas e passivas, constituirão elementos da conta patrimonial.
[…]Art. 104. A Demonstração das Variações Patrimoniais evidenciará as alterações verificadas no patrimônio, resultantes ou independentes da execução orçamentária,e indicará o resultado patrimonial do exercício.”
Observa-se que, além do registro dos fatos ligados à execução orçamentária, deve-se evidenciar ocorrências referente à administração financeira e patrimonial, de maneira que os fatos modificativos sejam levados à conta de resultado e que as informações contábeis permitam o conhecimento da composição patrimonial e dos resultados econômicos e financeiros de determinado exercício. Portanto, é obrigação da contabilidade evidenciar tempestivamente os fatos ligados à administração orçamentária e financeira, além das alterações verificadas no patrimônio, resultantes ou independentes da execução orçamentária, em função do fato gerador, observando-se os princípios contábeis da competência e da oportunidade.
O reconhecimento do crédito apresenta como principal dificuldade a determinação do momento de ocorrência do fato gerador. No entanto, no âmbito da atividade tributária, pode-se utilizar o momento do lançamento como referência para o seu reconhecimento, pois é por esse procedimento que:
-verifica-se a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente;
-determina-se a matéria tributável;
-calcula-se o montante do tributo devido; e
-identifica-se o sujeito passivo.
Ocorrido o fato gerador, pode-se proceder ao registro contábil do direito a receber em contrapartida de variação patrimonial aumentativa, o que representa o registro da variação patrimonial aumentativa por competência.
Outro fator que leva a Contabilidade Pública a adotar o Regime Misto é o de evitar que a execução das despesas orçamentárias ultrapasse a arrecadação efetiva, ou seja, que ocorra um déficit orçamentário que é o resultado apurado ao final do exercício que aponta saldo negativo no confronto entre a soma de todas as receitas e de todas as despesas empenhadas, indicando que as receitas orçamentárias foram menores do que as despesas orçamentárias.
Resumindo: com o objetivo de evidenciar o impacto no patrimônio, deve haver o registro da variação patrimonial aumentativa, independentemente da execução orçamentária.
No âmbito internacional, a IFAC (Internacional Federation of Accountants) defende o uso do o regime de competência tanto para despesa quanto para receita, alegando que, no momento em que as declarações financeiras são realizadas pelo regime, é possível obter o desempenho financeiro, a posição financeira e a posição dos ativos líquidos e do capital próprio, enquanto que quando feito pelo regime de caixa, a principal situação financeira é o fluxo de recebimentos e pagamentos. (IFAC, 2010, Handbook of Internacional Public Sector Accounting Pronouncements).
Apesar dos esforços do Conselho Federal de Contabilidade que através das Normas Brasileiras de Contabilidades Aplicadas ao Setor Público (NBCASP) tenta compatibilizar a visão orçamentária com a visão patrimonial, esse não é o entendimento dos órgãos de controle como o TCU, ao estabelecer que a lei ordinária deve prevalecer sobre a harmonização contábil proposto nas NBCASP, e o Projeto de Lei de Qualidade Fiscal (LQF) que tem por objetivo revisar a Lei n° 4.320/1964 em seu Art. 92 que deixa claro o seu posicionamento:
Art. 92. Os registros dos atos e fatos contábeis observarão:
II – o regime de competência no reconhecimento dos fatos modificativos da
situação patrimonial líquida;
III – a arrecadação como critério de reconhecimento da receita orçamentária;
IV – a despesa empenhada como critério de reconhecimento da despesa orçamentária.
O que podemos perceber é que para o planejamento, o orçamento é base e o objeto da Contabilidade Pública e não o Patrimônio.
Referência
CRUVINEL; Daniel Pereira. LIMA Diana Vaz de. ADOÇÃO DO REGIME DE COMPETÊNCIA NO SETOR PÚBLICO BRASILEIRO SOB A PERSPECTIVA DAS NORMAS BRASILEIRAS E INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, v. 5, n. 3, art. 4, p. 69-85 ISSN 1981-8610 set/dez. 2011.
MANUAL DE CONTABILIDADEV APLICADA AO SETOR PÚBLICO. Portaria Conjunta STN/SOF nº02/2012 5ª edição