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SIMPLES: regime tributário de recolhimento ou benefício fiscal?

Tem-se disseminado que o Simples Nacional veio, com roupagem de benefício fiscal, para facilitar o empreendimento no Brasil. Há não apenas simplificações fiscais (embora sejam estas as principais), mas também de ordem registral, civil, falimentar.

Ora, não há dúvidas de que o país necessitava de uma estrutura fiscal menos complexa, ao menos para os pequenos empreendedores, haja vista que é da sabedoria popular que uma das maiores dificuldades para abrir (e fechar) uma empresa é a burocracia, aí incluídos todos os deveres do empresário perante o Estado.

Ocorre que, no que toca ao regime unificado nacional de tributos, não se cuida, tecnicamente, de benefício. A ciência contábil, inclusive, pode atestar que, a depender das circunstâncias da entidade, não é vantajosa a opção pela tributação do Simples, isto é, à alíquota única sobre o faturamento.

Muitas vezes, determinada atividade opera com créditos de PIS, COFINS, IPI e ICMS. Noutras, as vastas deduções do Lucro Real para IRPJ e CSLL são mais atrativas. Pode ser até que o próprio comprador exija, para ultimar o negócio, a mudança de regime a fim de possibilitar a tomada de créditos escriturais. Ou, ainda, há hipóteses em que a presunção do Lucro Presumido é mais benéfica em cotejo com as faixas de alíquotas do Simples em alguns dos anexos. Enfim, uma infinidade de fatores é que orientam a escolha pelo Simples Nacional ou outro regime tributário.

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Dito isso, denota-se o desacerto do STJ ao julgar, no REsp 1.497.591, que os optantes do SIMPLES não podem se valer da suspensão do IPI, deduzindo a alíquota correspondente ao tributo na Guia Unificada.

Sustenta o Relator Min. Humberto Martins que “Essa sistemática de arrecadação [Simples] já institui forma de benefício fiscal que determina pagamento único e que, consequentemente, exclui qualquer outra vantagem estabelecida às demais empresas, até porque, contrario sensu, a extensão do benefício quanto à suspensão do IPI da saída do estabelecimento industrial (art. 29 da Lei 10.6367/2002) conduziria à concessão de dupla vantagem – uma, decorrente do recolhimento mitigado do IPI pela opção ao SIMPLES, e outra, pela sua total exclusão – sem expressa previsão legal”.

Desse modo, o raciocínio resta viciado por duas inconsistências. A primeira é que não se sabe com base em qual princípio (específico ou geral) do Direito tributário (ou do Direito tout court) é possível afirmar que dois benefícios não podem ser, cumulativamente, gozados. A partir daí, começa-se a conjecturar a hipótese de impedimento de gozo de isenções, do crédito presumido de IPI, dentre outros, pelo simples fato de já aproveitar a suspensão do art. 29 da Lei nº 10.637/2002.

A segunda consiste, então, na afirmação categórica de que o Simples constitui um benefício fiscal. Ora, já foi demonstrado que é apenas um regime de tributação, tendencialmente favorável aos pequenos empreendedores, nem sempre em função do quantum devido, mas da simplicidade de quitação do vasto compêndio de figuras tributárias numa única guia – isto é, a vantagem em função das obrigações acessórias.

Nessa ordem de ideias, a suspensão (postergação do pagamento) e o regime simplificado (apuração unificada da carga tributária) não podem, simplesmente, ser alocados na mesma categoria de benefício fiscal. Nada obstante, ainda que assim fosse, não há nenhuma proibição para cumular os benefícios, desde que a situação do contribuinte se subsuma às hipóteses normativas de ambos.

Portanto, retomando as considerações iniciais, essa ideia de considerar o Simples um benefício ao ME e EPP é uma falácia difundida com o objetivo de tornar mais difícil a vida dos “beneficiários” (leia-se optantes).

Enfim, é preciso dar voz a uma contracultura tributária, de modo que, na euforia dos avanços, não se instalem medidas autoritárias. O Simples não é e nunca vai ser um favor do Estado aos pequenos empreendedores, mas uma lei editada como cumprimento de determinação constitucional (art. 146, III, ‘d’ CF), a fim de alavancar a ordem econômica do país, cujo progresso, ao fim e ao cabo, beneficia todos os seus cidadãos.

 

Sobre o Autor
Advogado sócio-fundador da Rossini, Krauspenhar & Pescador Advocacia. Bacharel em Direito pela UFSC. Mestrando em Direito Tributário pela UFPR.

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