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Desconstruindo Presunções Fiscais: o Saldo Credor de Caixa (parte 1/3)

presunções fiscaisAs contas do ativo na contabilidade têm natureza devedora, isto é, devem apresentar saldo devedor ao final das apurações (diária, mensal, anual), o que significa mais entradas do que saídas. Por outro lado, as contas do passivo têm natureza credora, vale dizer, devem apresentar saldo credor, o que implica a existência de dívidas a pagar.

Toda vez que a equação é invertida, ou seja, a conta ativa tem natureza credora e a conta passiva natureza devedora, é motivo de suspeita pelo Fisco, em razão da anomalia contábil. No caso da conta Caixa, este fato é designado por “estouro de Caixa”. Em síntese, representa que referida conta pagou mais despesas do que os recursos nela constantes poderiam pagar – fato impossível.

Para efeitos tributários, o “estouro de Caixa”, segundo o art. 12 do Decreto-lei n. 1.598/77, autoriza uma presunção iuris tantum (relativa) de que houve omissão de receitas. A lógica normativa é no sentido de que, se as despesas efetivamente foram pagas, mas o Caixa não tinha os recursos necessários para tanto, circularam verbas à margem da contabilidade para quitar tais despesas. Confira-se o teor do art. 12, §2º:

Art. 12.  A receita bruta compreende: […]

  • 2º – O fato de a escrituração indicar saldo credor de caixa ou a manutenção, no passivo, de obrigações já pagas, autoriza presunção de omissão no registro de receita, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.

No entanto, situações há em que o Fisco induz um Saldo Credor de Caixa, ao glosar (excluir) diversos lançamentos a débito (ingresso de receita) da referida conta. Como resultado, tem-se mais lançamentos a crédito (despesas) que a débito (recursos), visto que alguns destes últimos foram excluídos do saldo da conta. Um caso clássico para ilustrar a situação é a dos cheques cujas cópias foram extraviadas ou que foram utilizados para pagamento junto de outros recursos (lotes de pagamento).

Chega ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) diversas demandas em que se discute a glosa de tais recursos na conta Caixa. O Fisco não raro se fundamenta única e exclusivamente na ausência de correspondência entre a entrada (cheque) com uma saída posterior (i.e., pagamento de duplicata).

Ou seja, a autoridade fiscal tem, por vezes, a intenção de carimbar o recurso para uma despesa específica. Com isso, uma prática muito corriqueira, como pagamento em lote de boletos, em que não fica identificado o meio (cheque, dinheiro, outros títulos de crédito) ou conjunto de meios constantes da conta Caixa e utilizados para quitar cada boleto, fica sujeita à glosa fiscal. Os contribuintes com relevante movimento financeiro remetem à instituição bancária os recursos suficientes para quitar as dívidas, porém não fazem, por despiciendo, qualquer exigência de correlação entre determinado meio de pagamento e despesa específica.

Noutras palavras, então, sucede que as contas de Bancos transferem os recursos (cheques) para a conta Caixa, e, a partir desta, junto com outras espécies de recursos, as despesas são pagas. Que tipo de recurso para cada despesa não é possível identificar, podendo, inclusive, ser mais de um.

Ademais, nada impede que sejam lançados a débito de Caixa cheques compensados, com contrapartida a crédito na conta do Banco de emissão. Isso ocorre, frequentemente, com contribuintes que têm a contabilidade terceirizada, sendo os lançamentos a débito de Caixa feitos a partir do extrato bancário, quando os cheques então já foram compensados. Se, entre o lapso do pagamento e o debitamento do cheque houver saldo positivo em Caixa, nada há que se reprochar nesta conduta.

Por isso mesmo, o CARF já se manifestou peremptoriamente sobre a questão, no sentido de que “O simples fato de o fisco ou a contribuinte não lograrem identificar créditos na conta Caixa nos exatos valores dos cheques compensados parece-me insuficiente para presumir que não se destinaram à quitação de obrigações contabilizadas, como exemplo pagamentos de lotes de duplicatas, somatório de tributos pagos, etc., cujos cheques tivessem sido compensados pela agência bancária recebedora.” (CARF – Processo n. 10830.001058/93-24. 1ª T da CSRF. Rel. Cons. Cândido Rodrigues Neuber).

Veja-se que, no caso ilustrado, a elisão da presunção fiscal se dá com a desconstituição das glosas baseadas em exigências ilegais do contribuinte. Consoante o entendimento do CARF, não é lícito exigir a correspondência entre espécies de recursos e despesas como condição para lançamento daqueles em contas ativas. Logo, sem a glosa dos recursos, o contribuinte mantém a higidez da sua contabilidade, tornando infundado qualquer lançamento suplementar sobre supostas receitas omitidas.

 

Sobre o Autor
Advogado sócio-fundador da Rossini, Krauspenhar & Pescador Advocacia. Bacharel em Direito pela UFSC. Mestrando em Direito Tributário pela UFPR.

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