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Contabilista, Fisco e as Empresas – A Forca e a Cadeira Elétrica

Outro dia eu conversava com um gerente tributário de uma empresa industrial, contabilista, e ele, angustiado pelas suas responsabilidades, reclamava dizendo que a empresa, em razão das suas atividades comerciais interestaduais, fora obrigada a contratar mais 25 funcionários para o setor fiscal em razão da entrada em vigência do Convênio ICMS 93/15, legislação do ICMS que alterou a sistemática de cobrança do ICMS nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, não contribuinte do imposto, localizado em outro Estado.  Sua angustia não se resumia ao atendimento do Convênio ICMS/93/15, mas também à urgência e necessidade de atender ao Convênio ICMS 16/2016 que prorrogou a obrigatoriedade da informação do CEST – Código Especificador da Substituição Tributária para   1º de outubro de 2016. Acredito que o seu lamento foi mais veemente comigo talvez pelo fato de saber que antes de me aposentar estava na gestão tributária da Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo – SEFAZ/SP.

Neste momento, retornei à época recente em que trabalhava em uma das funções de gestor que exerci na SEFAZ/SP, qual seja, a de Delegado Regional Tributário, através da qual estive bem próximo a contabilistas e empresários, e lembrei-me das minhas responsabilidades e preocupações em não prevaricar e ao mesmo tempo tentar ser justo com os contribuintes, o erário, contabilistas e com os funcionários subordinados, sem ferir as respectivas legislações como servidor público. Com o contabilista e com o empresário não é diferente, pois existe no país um arcabouço jurídico que estabelece controles, limites e penalidades para cada um.

No atual momento do país, vivemos tempos de combate à sonegação, a corrupção e a outras ilegalidades não obstante a quantidade de legislação já existente para tentar frear as irregularidades de todos os atores do cenário econômico-político-tributário e que não conseguindo, vão gerando outras na tentativa de ser a promessa final que desestimulará o surgimento de novos casos. Faço uma reflexão se não chegou a hora de uma maior coordenação e orientação entre os entes tributantes e as entidades privadas responsáveis pelo controle das atividades e punições, a exemplo da CVM, do CFC, do IBRACON.

Um movimento nessa direção, além de melhorar a “compliance” de nossas empresas, resultaria no saneamento das legislações tributárias, eliminando a insegurança jurídica gerada, pois são inúmeras as situações em que os profissionais contabilistas ficam em dúvidas se seguem a legislação tributária ou a contábil, a exemplo da obrigatoriedade de execução da NBC TG 16 (R1) Estoques e a permissão dos artigos 289 a 296 do IRPJ ou mesmo as determinações do artigo 39 do RICMS/SP, isto sem contar com as zonas de conflito entre ICMS e ISS. Contribui para agravar este quadro o rol de penalidades tributárias em excesso e sem dosimetria das penas, já que a legislação trata o pequeno empresário da mesma forma que uma grande empresa em relação à quantidade complexa de obrigações tributárias, muitas sem condições de execução.

forcaMecanismos legais de controles, inclusive com severas punições, seja no âmbito dos contabilistas, do fisco ou das empresas existem e isso, em razão da existência de inúmeras normas legais sobre os mais variados assuntos causa angustia e insegurança. No caso dos contabilistas existe a Resolução CFC 803/1996 que trata do Código de Ética da categoria, os artigos 186 e 1.177 do Código Civil, Lei 10.406/02, a Lei 8.137/90 que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, os artigos 168 e 178 da Lei 11.101/05 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, o artigo 1º da Lei 10.268/2001, que alterou o artigo 342 do Decreto-lei 2.848/1940 – Código Penal, o artigo 11 da Lei 7.492, de 16 de junho de 1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, os artigos 2º, 3º, 14, 20 e 27 da Lei 8.078/1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor, o artigo 5º da Lei Complementar 87/96, os § 5o e § 7o do art. 67, da Lei 6.374/1989 que regula o ICMS do estado de  São Paulo, os artigos 24 a 29 da Resolução CFC 1.494/2015, que tratam da suspensão e cassação do seu registro profissional no CRC no caso de eventual descumprimento relacionada ao Código de Ética, a Resolução CFC N.º 1.445/13.

Se seguirem as normas profissionais em detrimento das normas fiscais, os contabilistas correm o risco de serem penalizados com ações judiciais de responsabilidade civil. Se seguirem as normas fiscais, correm o risco de serem penalizadas pelo órgão regulador entre outros.

No caso dos agentes do fisco não é diferente, pois sua atividade é vinculada e controlada. Além da própria legislação fiscal, o fisco, no caso do estado de São Paulo é obrigado a atender a Lei 10.261/68 e a Lei 939/03 que institui o código de direitos, garantias e obrigações do contribuinte no Estado de São Paulo,  a Resolução SF – 51/07 que Institui o Código de Ética da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo,  o  Decreto nº 52.216/07, a  CORFISP – Corregedoria da Fiscalização Tributária, o Decreto 60.428/14 que trata do Código de Ética da Administração Pública Estadual e o Decreto 57.500/11 que reorganizou a Corregedoria Geral do Estado, isso sem contar as inúmeras normas internas de execução dos trabalhos fiscais. Pelo lado das empresas, existem a Lei 6.404/76, a Lei 8.137/90, a Lei 12.846/13, entre outras cujo relato oneraria sobremaneira o espaço destinado a esse texto.

Tudo isso para dizer que não faltam controles sobre a sociedade, porém, inexiste medição de sua eficácia para melhoria do país e das instituições. Talvez se fisco e associações de classe, a exemplo do CFC se reunissem desarmados da desconfiança em um movimento de construção de nova base de relacionamento pró país, acredito que teríamos mais justiça para as empresas, mais proteção ao erário, melhores profissionais contabilistas e servidores públicos fazendários.

Assim, do jeito que está, a fiscalização tributária, os contabilistas, empresários, continuarão tentando se equilibrar para “não sair da forca e cair na cadeira elétrica”.

Sobre o Autor
Manoel de Almeida Henrique é graduado em Ciências Contábeis e Administração de Empresas. Trabalhou por 30 anos na Secretaria a Fazenda do Estado de São Paulo- SEFAZ, onde se aposentou em fevereiro de 2016, após exercer as funções de Inspetor Fiscal, Delegado Regional Tributário e Diretor da DEAT - Diretoria de Administração Tributária. Foi mentor e líder do Projeto de Implantação do Tratamento das Informações da Escrituração Contábil Digital - ECD-SPED na SEFAZ-SP. É Instrutor e conteúdista dos cursos de contabilidade e auditoria contábil tributária da Escola Fazendária do Governo do Estado de São Paulo - FAZESP e, também, autor do livro "Livros Contábeis - A escrituração contábil no atual cenário tributário", publicado pela Editora Trevisan.

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