contabilidade

As Auditorias Independentes e as Fraudes na Petrobrás

Os cidadãos Brasileiros estão estarrecidos com as notícias da ocorrência de fraudes na maior empresa do nosso País, a Petrobrás. Para nós, profissionais da área contábil é estarrecedor como isso pode ter acontecido diante das ferramentas de controles internos e das checagens das auditorias independentes.

Existe, infelizmente, precedentes de outros escândalos no mundo parecidos com esse da nossa empresa de petróleo e as consequências não foram nada boas para o mercado, para as questões referentes à ética na profissão do auditor e para a imagem dos contadores frente à opinião pública.

As auditorias independentes podem encontrar dificuldades em checar corretamente os valores das obras públicas por não haver padrões de comparação nem um “mercado”, por assim dizer, para tais obras, o que pode facilitar a ocorrência de fraudes.

 

AUDITORIA INDEPENDENTE

Como sabemos, as empresas de capital aberto ou constituídas sob a forma de sociedade anônima estão obrigadas a passarem por auditorias independentes para comprovar a qualidade da gestão e sobretudo para comprovar a veracidade das informações publicadas nos demonstrativos contábeis ou financeiros.

É um mecanismo de grande importância social porque se uma entidade apresenta tendência por um certo tempo de lucratividade e se durante esse mesmo tempo um auditor independente assina um parecer sem ressalvas, dizendo que tudo está dentro da normalidade e observância dos princípios contábeis, dentre outras observações costumeiras e pertinentes, a população tende a investir nessa entidade por meio da compra de ações ou outros títulos, visando uma melhor lucratividade para seu dinheiro em comparação a outras aplicações mais conservadoras, como a poupança ou fundos que prometem retorno praticamente garantido.

As empresas internacionais de auditoria, que normalmente são contratadas para auditar de forma independente as grande companhias tornaram-se grandes empresas e as mais famosas são a PricewaterhouseCoopers, a Ernst & Young, A Deloitte e a KPMG. São conhecidas como “as quatro grandes” ou “The Big Four” em Inglês por serem as maiores e mais famosas, além é claro, de serem consideradas as de maior credibilidade.

Por reconhecer a segurança do processo, já tinha inclusive sugerido em outro trabalho, mais precisamente na minha Dissertação do Mestrado em Administração que esse mecanismo de checagem das contas, demonstrações, contratos, documentações e ativos reais, praticados pelas “Big Four” fossem aplicados às Finanças Públicas em substituição aos Tribunais de Contas das três esferas: http://www.adm.ufba.br/sites/default/files/publicacao/arquivo/luiz_sampaio_a._junior.pdf

 

FRAUDE DA ENRON

Entretanto, nem sempre foi assim. as “Big Four” já foram “Big Five”, quando existia uma outra empresa chamada Arthur Andersen. Esta gigante mundial da auditoria e consultoria deixou de existir praticamente no dia seguinte à notícia de ocorrência de uma grande fraude em uma das suas empresas auditadas, uma gigante no setor de energia, a norte-americana ENRON.

O auditor independente, funcionário da Arthur Andersen envolvido na questão à época, queimou os papéis de trabalho quando foi divulgado o escândalo e estava envolvido na fraude da empresa ENRON, que desviava seus prejuízos para uma outra entidade. Dessa forma, as pessoas que queriam comprar ações da entidade, pesquisavam sua publicações e sempre encontravam um parecer sem ressalva dos auditores independentes e suas demonstrações financeiras indicando tendência de lucros. Isso ajuda a explicar a grande importância social da função do auditor.

Como o mercado não pode aceitar que uma empresa de auditoria participe de uma fraude, a Artur Andersen deixou de existir praticamente poucas horas depois do anúncio na fraude ocorrida nos Estados Unidos e mesmo profissionais dos escritórios aqui no Brasil foram surpreendidos com as portas fechadas e suas demissões preparadas.

Obviamente, os profissionais da Arthur Andersen que não tinham nenhuma ligação com o cliente ENRON foram aproveitados pelas concorrentes, sobrtetudo a PricewaterhouseCoopers (PwC) e a Ernst & Young (EY) absorveram muito dessa boa mão de obra. Obviamente, também ficaram disponíveis no mercado as entidades clientes que eram auditadas pela empresa fechada e logo foram também absorvidas pelas empresas restantes.

Sabemos também que a Arthur Andersen conseguiu provar na justiça, anos depois da fraude, que estava inocente em relação às fraudes. Nessa altura dos fatos já tinha virado história.

 

FRAUDES NA PETROBRÁS

Como toda grande empresa constituída na modalidade de Capital Aberto ou Sociedade Anônima, a Petrobrás está obrigada a contratar uma empresa de auditoria independente para auditar as suas demonstrações financeiras e expedir um parecer, que todos desejam que seja sem ressalvas.

Dentre os tipos de parecer, o segundo tipo, que não é desejado por nenhuma entidade é o parecer com ressalva, que é aquele em que o auditor expressa que está tudo de acordo com as normas e procedimentos contábeis, exceto com algum ou alguns dos registros contábeis onde não se pode atestar a exatidão do número ali divulgado. Os tipos mais graves portanto são a negativa de opinião, quando o auditor não sente confiabilidade nos controles internos e o parecer adverso, quando o auditor expressa uma não conformidade com os registros ou princípios demonstrados nos relatórios financeiros.

Com a nossa Petrobrás, orgulho nacional, ainda que não seja totalmente Brasileira, ocorreu exatamente a negativa de opinião com uma demonstração trimestral, a de setembro de 2014. Depois, a PwC exigiu a demissão de diretores da Petrobrás para poder assinar os pareceres relativos às demonstrações contábeis com bastante atraso. Como é necessário que se faça um rodízio entre as empresas de auditoria, para aumentar ainda mais a confiabilidade do processo, a Petrobrás seguia sendo auditada pela PwC de 2012 até o presente momento, tendo sido auditada pela KPMG de 2006 a 2011 e de 2003 a 2005 pela EY, segundo as divulgações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Claro que isso causou um verdadeiro vendaval no mercado de ações da empresa, que despencaram de cerca de R$ 48,00 para cerca de R$ 8,00 o que significa, no presente momento, um grande prejuízo para as pessoas que investiram suas economias e possuem ações da empresa por este período.

A empresa vem sendo alvo de notícias que denunciam fraudes há algum tempo desde a compra superfaturada de ativos como a refinaria de Pasadena, por exemplo. As notícias também dão conta de que cerca de R$ 10 bilhões no total foram desviados e até um único gerente, que não é um diretor do alto escalão devolveu aos cofres públicos entre R$ 182 milhões e R$ 252 milhões, isso para a empresa que apresentava em seus demonstrativos contábeis R$ 752 bilhões de ativos consolidados em 2013 e uma receita bruta também consolidada de R$ 304 bilhões.

Também segundo as notícias, nunca antes na história deste país ocorreu repatriação de quantia tão vultosa, o que, além da operação da Polícia Federal (PF), também foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que está investigando dados da empresa de 2005 a 2014, o que conforme demonstramos, com base nos dados divulgados pela CVM, levanta a responsabilidade sobre pelo menos três das “Big Four”.

 

CONSTRUTORAS

Participantes das fraudes, segundo as notícias, as principais construtoras do nosso país também tiveram seus executivos presos. Sabemos que a atividade de construir alguma obra para o poder público é uma atividade de risco. O empresário normalmente superfatura os preços porque se não houver pagamento por parte do poder público ele é que terá que arcar com todos os custos da obra até o final. Ainda segundo as notícias, as empreiteiras formaram um clube para licitações, promovendo preços combinados e rodízio entre eles para execução das obras com a Petrobrás.

 

CONCLUSÕES

Como vimos, uma pergunta fica no ar: Se o superfaturamento ocorre por razões contratuais, o que é feito com o excedente de recursos quando as obras são totalmente pagas? Não nos recordaremos de ter sido denunciado por nenhuma grande empreiteira um calote em alguma grande obra por parte de governo algum.

É claro que os governos ou entidades públicas poderiam encontrar várias formas de proteção contra esse dispêndio previsto, como por exemplo a criação, caso não exista, de um índice ou tabela de preços médios por região para o metro cúbico de concreto construído. Assim se saberia com boa aproximação o custo total de uma obra. Isso também iria proteger os auditores independentes, uma vez que não existe muito mercado para obras tão grandes, para se fazer comparações, que não as próprias obras governamentais.

Em verdade, também sabemos que a parceria das empreiteiras com os governos começam antes da existência dos próprios governos, por meio dos financiamentos (dentro da Lei, é claro) das campanhas políticas.

O que se viu nas fraudes é que se uma obra custaria X, a empreiteira combinada com o “clube”, que seria a ganhadora da licitação apresentaria uma proposta de 2X e as outras 2,5X ou 2,8X, por exemplo. Até que depois chegasse a vez daquelas para que pudessem “ganhar” a licitação da outra vez.

Acredito e espero com todas as minhas forças que as auditorias, dessa vez, não estejam participando da fraude. Ficou muito marcada na minha memória uma capa da TIME com uma charge que ilustrava um jaula e nela alguns contadores trancados. Para mim que, na época do escândalo ENRON, era um estudante do Bacharelado em Ciências Contábeis, o recado do Professor da Disciplina de Auditoria sobre as questões da ética funcionou perfeitamente.

Quero continuar ensinando em salas de aulas, já que hoje em dia sou Professor também, que o mecanismo das auditorias independentes é seguro. O triste é ter que admitir que, caso se comprove total honestidade dos auditores, teremos de concordar que eles foram incapazes de detectar um desvio de R$ 10 bilhões em alguns anos, pois sabemos que não seria possível roubar quantia tão vultosa de uma só vez (aproximadamente 1/30 da receita bruta consolidada total). Em caso de desonestidade sabemos o desfecho para as empresas de auditoria envolvidas.

Em todo caso é muito melhor aceitar a ideia de que um(a) colega meu (minha) da profissão contábil errou ou falhou do que encarar a realidade de que ele (a), conhecendo os princípios norteadores da profissão do auditor ou do contador, cometeu algum ato de desonestidade.

Fica claro que essas práticas desonestas para desfalcar o caixa da empresa, ou o dinheiro público, ou da massa que investiu e confiou no processo do mercado como um todo, pode ter encontrado uma maneira de parecer correta para enganar tantos bons profissionais de auditoria de tantas boas empresas independentes e por tanto tempo. Certamente, os auditores terão de se cercar de maiores cuidados quando se tratar de dinheiro público e melhorar sua atuação em nome da sua utilidade social.

Muito embora a empresa independente de auditoria tenha se posicionado corretamente com a ocorrência da fraude e sua divulgação, não emitindo um parecer e exigindo aguardar o fim das investigações por parte da PF para assinar o parecer de outra demonstração, não foi ela quem deu início a tudo isso, mas sim denúncias de colaboradores da empresa auditada, a Petrobrás.

 

REFERÊNCIAS

 

ATHAYDE JUNIOR, Luiz Sampaio. A Contabilidade Como Ciência Aplicada à Questão da Distribuição da Riqueza: Uma discussão preliminar. Disponível em: <http://www.adm.ufba.br/sites/default/files/publicacao/arquivo/luiz_sampaio_a._junior.pdf> Escola de Administração da UFBA. Acesso em: 30 mar. 2015.

 

BRASIL, Comissão de Valores Mobiliários. Demonstrações Financeiras Padronizadas da Petrobrás. Disponível em: <http://sistemas.cvm.gov.br/?CiaDoc> Acesso em: 27 mar. 2015.

 

 

Sobre o Autor
Luiz Sampaio Athayde Junior é Professor da Faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal da Bahia (FCC/UFBA) e da Universidade Jorge Amado (UNIJORGE), ex Professor da Faculdade Visconde de Cairu (FVC) da Pós Graduação e possui experiência como Analista Tributário. Possui Mestrado em Administração e Extensão em Metodologia do Ensino Superior pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (EA/UFBA), Pós Graduação MBA em Gestão Financeira e Empresarial pelo Centro de Pós Graduação e Pesquisa da Faculdade Visconde de Cairu (CEPPEV/FVC). É Contador Graduado em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário Estácio da Bahia (Estácio/FIB) e possui certificação IAFC First Degree em Normas Internacionais da Contabilidade – IFRS. E-mail: [email protected]

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